Morte do artista, de 86 anos, foi confirmada no dia 6 de julho

Zé, Zé Celso, José Celso Martinez Corrêa (1937-2023). Transgressor, anárquico, polêmico, subversivo… Adjetivos são inúmeros, mas nenhum capaz de decifrar ou definir a sua personalidade inquieta, irreverente e provocadora. Revolucionário, no campo teatral, é considerado um dos emblemas do movimento tropicalista, com a primeira montagem da peça “O Rei da Vela”, de Oswald de Andrade, em 1967.
Desde o início da carreira, foi notado e reconhecido com o atual Prêmio APCA; além de diversos outros, como o Shell e o Moliére. Mas foi na ousadia e na vanguarda de suas criações que ele mais se projetou para o Brasil e o mundo, causando espanto até em países de vanguardismo na arte contemporânea, como a Alemanha. Um fabricador de delírios. Um tropicalista antropofágico. “Uma voz plural, de denúncia, de contestação, de alerta… Homem de teatro, da imagem, da palavra e do coletivo chamado Oficina”, como lucidamente descreveu seu amigo e parceiro Gilberto Gil.
Entre as dezenas de espetáculos que dirigiu, adaptou e atuou, peças de sua autoria e de grandes nomes da dramaturgia e da literatura brasileira e mundial, como Máximo Gorki, William Shakespeare, Eurípides, Chico Buarque, Nelson Rodrigues, Oswald de Andrade, Euclides da Cunha, Samuel Beckett, entre diversos outros. Sua história com o teatro começa no final da década de 1950,quando decide deixar o curso de Direito na USP e fundar o Teatro Oficina, juntamente com Amir Haddad e Carlos Queiroz Telles. Daí, o Teatro Oficina e a Companhia de Teatro Oficina Uzyna Uzona constroem um legado de produções magistrais.
Nessa intensa trajetória, a Bahia e os artistas baianos têm uma participação muito especial. Inclusive, como palco e como elenco de vários de seus espetáculos. O ator baiano Othon Bastos atuou em suas montagens. Aqui, na década de 1970, no Teatro Castro Alves, apresentou vários espetáculos: ”O Rei da Vela”, “Os Pequenos Burgueses”, “Galileu, Galilei”… Nessa mesma época, em 1979, Zé Celso e o Teatro Oficina estavam em Salvador para o Congresso de Reconstrução da UNE, quando Ruy César se tornou presidente da entidade. De Mãe Stella, recebeu o título de “Exu senhor das artes cênicas”. Em 2007, trouxe para o Museu do Ritmo, em Salvador, uma réplica das galerias do Teatro Oficina, onde apresentou a sua saga de “Os Sertões”, de Euclides da Cunha, história da qual se declarou fascinado desde criança. A montagem, também teve apresentações no sertão de Canudos. Em 2010, apresentou em Salvador “As Dionisíacas”, onde hoje funciona o PAF 4 e o PAF 5 da UFBA.
Entre essas e uma série de outras memórias, a pergunta: Quantas Bahias cabem no universo, no mundo e no imaginário do agora encantado José Celso Martinez Corrêa, que partiu no dia 06 de julho de 2023 para “a morada do sol”? Veja o que dizem os artistas baianos.
“Como todo mundo, eu ainda estou processando o que significa essa perda, pessoalmente, para o teatro, para o Brasil. Zé é um dos maiores artistas do mundo e conseguiu criar uma linguagem que extrapolou o próprio teatro. Hamlet foi a primeira peça do Oficina que me tirou do eixo, ainda como público. Lembro de ter ficado extasiado com tudo, seduzido pela poética do texto, pelas interpretações, pelo teatro. Mas nunca imaginei que anos mais tarde estaria em cena exatamente ali, com ele e com todo o Tyazo da Uzyna Uzona. Essa é uma experiência que atravessa a gente e transforma a maneira de fazer teatro, de pensar a própria vida. Parece um pouco abstrato falar assim, mas a verdade é que o mundo se encontra nas peças do Oficina. A dramaturgia de Zé Celso trás política, libido, referências pop, fatos cotidianos, poesia e público para contracenarem juntos. Em nenhum outro lugar isso acontece desse jeito e quem já se permitiu viver essa experiência, quem já sentiu o frio na barriga de estar ali, naquela multidão de teatro, sabe o poder que ela tem. Perdemos um dos grandes, mas seu teatro, gigante, continuará a transformar muita gente ainda.”
Fonte: iBahia